Autor(a)

IARA FLOR RICHWIN FERREIRA

Instituição

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Data

2017

Esta pesquisa origina-se em minha experiência clínico-institucional no campo das drogas e tem como problema central um questionamento sobre a prática psicanalítica com usuários de crack em situações de precariedade, vulnerabilidade e exclusão. O objetivo principal consiste em examinar os processos subjetivos relacionados ao uso problemático de crack, em suas dimensões psíquicas, corporais, sociopolíticas e culturais. Proponho a noção de “dispositivo do crack” para examinar e refletir sobre a rede de discursos, interpretações, intervenções, estratégias, atenção e cuidado que se conforma em torno do fenômeno do crack na contemporaneidade brasileira. Essa noção permitiu destacar o campo biopolítico no qual se inscreve o problema do crack e o entrecruzamento e co-sustentação entre as relações de poder e saber sobre essa droga. Em uma articulação do campo sociopolítico ao campo subjetivo, a noção de “dispositivo do crack” revelou ainda os processos de subjetivação e dessubjetivação implicados. A análise dos potenciais efeitos e incidências subjetivas decorrentes das situações de exclusão e vulnerabilidades múltiplas que atingem a maioria dos usuários de crack no Brasil possibilitou identificar sua estreita articulação com o uso abusivo dessa droga, tanto no que diz respeito aos efeitos desse uso prolongado, quanto no que se refere à constituição de uma determinada conjuntura subjetiva em que o uso de crack pode ser interpretado como uma “estratégia de sobrevivência” diante de “situações extremas da subjetividade”. A análise de um caso clínico mostrou que a estratégia tóxica do paciente estava estreitamente articulada ao seu contexto de precariedade e marginalização e tornou explícitos os efeitos e desdobramentos do “dispositivo do crack” na dimensão da singularidade de um sujeito e de seu posicionamento subjetivo. A análise do caso clínico contribuiu ainda com um questionamento e reflexão sobre o corpo e o uso abusivo de crack e explicitou que, de forma associada ao uso prolongado da substância, os processos sociopolíticos, as dinâmicas de poder, os discursos hegemônicos e as desigualdades e marginalizações atravessam, marcam e condicionam a própria materialidade e a pulsionalidade dos corpos. Essa questão da corporalidade conjuga, condensa e permite a emergência de diferentes dimensões que se emaranham na complexidade do fenômeno do crack e que foram abordadas ao longo desta tese: a potência da substância química e seus efeitos sobre o corpo e sobre a subjetividade; as questões subjetivas e singulares; as dinâmicas pulsionais; as determinações e processos sociopolíticos; as situações de vulnerabilidade e exclusão; as representações e discursos dominantes; e as estratégias e intervenções acionadas para lidar com a questão. Por fim, destaco os contornos e especificidades fundamentais da escuta, do posicionamento clínico e das intervenções psicanalíticas na clínica com usuários de crack atravessados e marcados pelas situações de precariedade e exclusão.

Palavras-chave: crack; psicanálise; vulnerabilidade e exclusão; dispositivo; corpo