FERNANDA RABELO DE CARVALHO BELTRÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
2009
Analisando fragmentos de diálogos entre mães e seus filhos, De Lemos (1995, 2002, 2006, entre outros trabalhos) e pesquisadores a ela filiado -s a partir da leitura de Saussure, Jakobson e Lacan -, deram especial ênfase ao outro, considerado como o representante de um funcionamento lingüístico discursivo, na trajetória de infans a sujeito falante de uma lingua. Tem-se, portanto, um organismo que encontra uma lingua que o antecede e o captura, remetendo a constituição do sujeito a um outro (representante da língua). Com base nesta abordagem teórica, o presente estudo se propôs a refletir, tomando o espelhamento como unidade de análise, sobre a posição que um outro especifico – o cuidador – ocupa em sua relação com a fala infantil e as possíveis mudanças nessa fala, ao se relacionar com diferentes cuidadoras que lhe servirão de outro. Esse espelhamento De Lemos (2002) qualifica como um processo constitutivo do diálogo mãe-criança, assim como da aquisição de linguagem. A fim de atender a este objetivo, foi realizado um estudo longitudinal, durante oito meses, em que se visitou, semanalmente, uma Unidade de Atendimento Protetivo da FUNDAC – realizando registros videográficos dos diálogos de três crianças com uma das cuidadoras por elas responsável, dentre as três que participaram do estudo (CI., C2. e C3.). Importa ressaltar que, para a análise, foi tomado para investigação o conjunto de dados de fala de apenas uma criança (J.). A análise e discussão tais diálogos foram organizadas em duas etapas distintas: na primeira, analisou-se a maneira como o espelhamento estaria acontecendo na relação entre a fala da criança e a de seu cuidador e os efeitos que imprimiria à fala infantil, já na segunda, realizou-se um confronto entre as características dominantes na forma pela qual cada cuidadora se posicionou frente às produções verbais infantis, ressaltando as mudanças qualitativas na fala da criança frente a tais características. A partir dessa análise, pôde-se indicar, quanto à fala de J., com a interlocução singular das três cuidadoras, que ocorreria um movimento no qual tal criança passaria continuamente de uma posição em que tem a sua fala ancorada na fala do outro/intérprete, para uma posição em que falta esta âncora, ou seja, falta a força estruturante da interpretação. Assim, nas situações em que a cuidadora presente foi Cl., destaca-se que, ao ocupar o lugar de outro, essa cuidadora, comumente, assumiu uma posição de distanciamento, caracterizada por certa indiferença frente aos enunciados infantis, deixando-os à deriva. Diferentemente, quando o outro/cuidador era representado por C2. e por C3., foi predominante a função de âncora desempenhada pela interpretação dessas cuidadoras. O presente estudo apontou ainda para um continuo deslocamento de posições estruturais numa mesma criança, na dependência da posição assumida por cada uma das cuidadoras. Destaca-se, então, uma mudança qualitativa na fala da criança, quando ela se desloca de uma relação com Cl., para uma relação com C2. ou com C3., levando-se em conta a singularidade com que cada uma dessas cuidadoras ocupou o lugar de outro diante da fala de J.. Desse modo talvez se tenha conseguido lançar um pouco de luz sobre o modo como esse lugar pode ser ocupado, de forma singular, por pessoas diferentes/singulares.
Palavras-chave: Aquisição de Linguagem. Interacionismo. Outro/Cuidador. Espelhamento. Crianças abrigadas.