FERNANDA CAMPOS MARINHO
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
2019
Pesquisas com egressos do sistema socioeducativo, conquanto raras, apontam para uma
realidade de desafios e para uma prática paradoxal: a de uma ação pedagógica num meio
permeado pelo medo e pela violência. Apesar da existência de determinação legal para a
realização de avaliações no âmbito do Sistema Socioeducativo, pouco tem sido feito,
especialmente no caso das avaliações de resultados e de impacto dos programas socieducativos
de internação. A presente pesquisa teve como objetivo realizar uma avaliação do Programa
Socioeducativo de Internação para meninas no Distrito Federal. Trata-se de um estudo de caso,
que utilizou modelos lógicos e a avaliação orientada por teorias, para buscar apreender os
resultados e o impacto do Programa na reinserção social das egressas e no processo de
desistência do crime. A amostra é formada pelas egressas (n=49) do programa de uma Unidade
de Internação, que compreende todo o universo das jovens egressas entre os anos de 2014 a
2018. Os dados provenientes da análise documental, de entrevistas e de questionário foram
triangulados. Os resultados demonstram que o programa contribui para aumentar o nível de
instrução, com um aumento na média de três anos escolares durante a internação, e para a oferta
de capacitação profissional. Também, perece promover suporte familiar, acesso à cultura e a
tratamento e acompanhamento médico. Por outro lado, o programa não consegue evitar os altos
índices de violência no interior da unidade, bem como o uso de drogas. Falha em não fornecer
acompanhamento nem suporte às egressas, que enfrentam muitos desafios no retorno à
comunidade, percebem a escola e a profissionalização como precárias e de baixa qualidade,
gerando baixa instrumentalização para o mercado de trabalho e reduzindo as oportunidades de
vida. A maioria das jovens se encontra em situação de pobreza e apenas 37 % (n = 10) realiza
algum tipo de trabalho remunerado. O impacto da internação foi visto pela maioria das
respondentes ou como uma “mudança pelo sofrimento”, ou que ajudou no sentido de se buscar
evitar nova apreensão, ou mesmo que “não teve impacto nenhum” e que “não regenera
ninguém”. A taxa de reincidência foi de 26%, considerando dados institucionais e 40%,
autorrelatada. Enquanto o uso de drogas como a cocaína apresentou associação com a
reincidência, a maternidade e o trabalho parecem funcionar como fator protetor e estiveram
associados à desistência do crime. Discute-se que, apesar de mirar nas necessidades
criminogênicas das internas, o programa não consegue ser responsivo o suficiente, nem
dispensa o volume e a frequência de tratamento adequado, segundo os princípios da intervenção
correcional efetiva. Ainda, parece falhar especialmente por não possuir um trabalho específico
na fase de retorno à comunidade, nem um acompanhamento longo prazo com foco na
manutenção e prevenção de recaída. Espera-se que a pesquisa fomente a melhoria incremental
do programa e forneça contribuição teórica ao campo de estudos sobre reinserção social de
jovens em conflito com a lei. Também, que os resultados possam auxiliar na elaboração de um
programa de acompanhamento às egressas, que considere as questões de gênero, e no
delineamento de uma avaliação contínua sobre seu impacto na reinserção social.
Palavras-chave: Sistema socioeducativo; avaliação de programas; reinserção social;
adolescentes em conflito com a lei; desistência do crime.